Não é de hoje que as temáticas relacionadas à aprovação em concurso público são alvo de muita discussão, especialmente no que tange os limites definidos pelo instrumento convocatório para admissão no cargo. Muito embora tenha sido solidificado pela doutrina e jurisprudência o entendimento de que não configura afronta ao princípio da isonomia a exigência de requisitos para acesso aos cargos públicos, essa restrição não poderá ser fortuita ou arbitrária.
Para tanto, é indispensável que as limitações contidas no Edital tenham correlação lógica com as desigualdades delas resultantes[1]. Quando o elemento discriminatório adotado é a idade, admite-se a distinção desde que tenha como escopo adequar o perfil dos candidatos às atribuições do cargo. É o que preconiza a Súmula 683 do STF quando diz: “o limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art.7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido”.
Afora os questionamentos sobre a constitucionalidade do limite de idade em concursos, na prática ainda emergem situações que geram dúvidas sobre quando esta exigência deve ser verificada para admissão do candidato no cargo. Imagine a hipótese de um candidato regularmente inscrito em concurso público que, antes da realização do certame, veio a extrapolar a idade máxima definida em Edital. Poderia o inscrito participar das provas ou mesmo tomar posse descumprindo a regra imposta pelo instrumento convocatório?
O momento preciso de quando deve ser verificada a idade do candidato já foi objeto de uma série de decisões do Superior Tribunal de Justiça[1] e do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná[2], nas quais ambos definem o ato de inscrição como estágio correto para verificação do requisito. Desta forma, se o candidato, ao se inscrever no concurso, não ultrapassava a restrição etária, admite-se como válida sua participação na disputa, ainda que, quando da posse, possua idade superior. Isto pois, o candidato não pode ser prejudicado pela demora na realização das provas ou cursos. Neste diapasão, impende destacar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
(AgRg no AREsp 272.822/CE, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/05/2013, DJe 22/05/2013).
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO ACRE. LIMITAÇÃO ETÁRIA PARA A INSCRIÇÃO NO CURSO DE FORMAÇÃO DE SOLDADO. CANDIDATO QUE, DURANTE O PROCEDIMENTO DO CERTAME, ULTRAPASSA A IDADE LIMITE. NÃO HOMOLOGAÇÃO DE SUA INSCRIÇÃO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO EDITALÍCIA. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 7º, INCISO XXX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
(AgRg no AREsp 653336/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/10/2015, DJe 04/11/2015)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONCURSO PÚBLICO. LIMITAÇÃO DE IDADE FIXADA EM EDITAL. COMPROVAÇÃO DE IDADE NA DATA DA INSCRIÇÃO NO CONCURSO. TEMA DECIDIDO EM SEDE DE REPERCUSSÃO GERAL. ARE 678.112 RG/MG. AGRAVO REGIMENTAL DO DISTRITO FEDERAL DESPROVIDO.
Outrossim, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná conflui com este posicionamento, tanto é que o entendimento foi cristalizado no Enunciado nº 39 da Quarta Câmara Cível: “Quando o candidato, ao inscrever-se em concurso público, não extrapola a idade limite é de se aceitar como válida sua participação no certame, mesmo que, quando da posse, conte com idade superior”.
Forma diversa ofenderia flagrantemente os princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade. Seria, no mínimo, desarrazoado utilizar-se de idade superveniente à inscrição para excluir o candidato do certame, uma vez que, sob as mesmas regras sua participação já fora admitida. Além do mais, na ausência de determinação editalícia, não é possível ao candidato prever a data em que concluirá todos os requisitos necessários para a admissão e, enfim, tomar posse no cargo público.
Há que se ponderar, ainda, o fato da realização do certame de alguns concursos se prolongarem além do esperado por aqueles que participam e, em alguns casos fora do planejamento da própria Administração. Não raro, o período entre a inscrição e a nomeação ultrapassa um ano e, nestes casos, o participante regular, que na data da inscrição possuía a idade limite para prestar o concurso, inevitavelmente descumprirá esta regra do Edital na data da posse.
Percebe-se, enfim, que caso imperasse entendimento diverso sobre o momento correto para a certificação desta exigência – que não a inscrição -, aqueles que ainda estivessem abaixo, porém próximos da idade máxima, já teriam sua participação no certame cerceada. Ou seja, os efeitos do limite de idade extrapolariam o objetivo por trás da norma editalícia e afetaria injustamente candidatos que preenchem todos os requisitos.
Se, em última análise, a restrição tem como escopo delimitar os candidatos a partir de certa idade em razão da natureza das funções a serem exercidas no cargo, então, foge da sua finalidade impedir a participação daqueles que a excederam durante o desenrolar do certame, pois, por óbvio, o candidato não está menos apto a exercer as funções do cargo em razão de um breve decurso de tempo. Evidentemente, tal cenário afronta os princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade, que nas palavras de Hely Lopes Meirelles “objetiva aferir a compatibilidade entre os meios e os fins, de modo a evitar restrições desnecessárias ou abusivas por parte da Administração Pública, com lesão aos direitos fundamentais”[3].
Portanto, seja por destoar do entendimento pacificado na Súmula 683 do STF, no qual a descriminação etária só se legitima quando há correspondência lógica entre a limitação imposta e a natureza das atribuições do cargo a ser preenchido, seja por desconsiderar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, é perfeitamente possível arguir a inconstitucionalidade na exclusão de candidato em concurso público que ultrapassou a idade máxima após a inscrição.
[1] STJ, 1.ª Turma, RMS n.º 31.932/AC, Rel. Min. Benedito Gonçalves, j. Em 16.09.2010;
STJ, 1.ª Turma, AgRg. No AREsp. N.º 272.822/CE, Rel. Min. Ari Pargendler, j. Em 14.05.2013;
STJ, 1ª Turma, AgRg. No AREsp. Nº 653336/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. Em 20.10.2015;
[2] TJPR, 5.ª CCv., Aglnstr. N.º 851.348-0, Rel. Des. Leonel Cunha;
TJPR, 5.ª CCv., ApCível n.º 923.891-7, Rel. Des. Xisto Pereira;
TJPR, 5.ª CCv., Aglnstr. N.º 794.806-9, Rel. Des. Leonel Cunha;
[3] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Editora Malheiros, 2004, pg. 92-93;
**Publicado por Natália Burger
Fonte: Portal JusBrasil